Você sabe o que é tortuguita, não sabe? Aquela tartaruguinha de chocolate gostosinha. Meus contemporâneos devem lembrar, inclusive, da propaganda, em que uma toruguita come a cabeça da outra e diz “Estúpida!”. Ridículo, eu sei, mas sempre que vejo uma tortuguita, eu penso “Estúpida!”.
Pois bem, existe um ritual que deve ser obrigatoriamente seguido para comer uma tortuguita: primeiro, comem-se as patinhas, depois o rabinho, a cabecinha e só por último o corpo. Comer tortuguita de outro jeito deveria dar até cadeia, tamanho é o absurdo e a frieza de quem faz isso.
Por que isso agora? É que eu tive que ensinar este ritual importante para a minha filha e até procurei no YouTube a propaganda pra ela entender que quando falo “Estúpida!” não é pra ela, mas para o chocolate. Ensinar essas coisas faz parte do meu papel de mãe.
E aí me lembrei de vários outros rituais da infância, que podem não ter importância nenhuma, mas me trazem várias lembranças.
Meu pai, sempre que descascava uma laranja, cortava um pedaço e chamava de tampinha da laranja. Por muito tempo, eu achei que esse era o único jeito de se comer laranja. Até hoje, sempre que descasco uma laranja, faço uma tampinha nela. E sempre que como laranja me lembro do meu pai.
Com a minha mãe, comer arroz e feijão era um do ladinho do outro. Tudo muito bem organizado no prato. Aprendi assim e depois descobri que também dava para colocar o feijão por cima do arroz, que também é aceitável. Era como eu comia nos lugares fora de casa. Então, quando arrumo o meu prato com o arroz ao lado do feijão, é porque aprendi com minha mãe.
Dia desses, minha filha veio com a ideia louca de que feijão é por baixo do arroz. Assim ela aprendeu com o pai. Conversamos muito a respeito e nosso acordo foi de deixar arroz e feijão lado a lado, porque me recuso a deixar o feijão por baixo. Como mãe, preciso aceitar que minha filha não é perfeita e continuar amando-a, apesar disso.
A bolacha (é bolacha, não biscoito) recheada também tinha um ritual. A bolacha era aberta e comia-se primeiro o recheio e depois o resto. Quando abro uma bolacha recheada para comer assim, lembro do meu irmão, porque comíamos juntos dessa forma.
Quando ia na minha avó, ela pegava umas folhinhas no quintal (acho que de capim cidreira, mas não tenho certeza) e fazia chá à tarde. Eu adorava aquele chá e quase posso me lembrar do cheiro e do gosto. Este só tinha na casa dela. Esses dias, preparei um chá de cidreira (infelizmente, de saquinho) e me lembrei do chazinho da minha avó.
Lembrei que todos os dias à tarde, tinha que ir na padaria ou mercearia comprar pão e leite de saquinho para o café da tarde. Às vezes, o saco de leite estourava no caminho. Às vezes eu esquecia parte da lista do que precisava comprar e tinha que voltar pra comprar o que havia esquecido. Às vezes, pegava o troco errado. Todo dia um acontecimento. Mas o café da tarde era um ritual.
Tinha também a minha outra avó, que mantinha o Biotônico Fontoura (com seus 9,5% de teor alcóolico) e, com uma mesma colher, dava uma colherada para cada neto, para abrir o apetite. Esta mesma avó fazia o melhor bolinho de chuva que já comi na vida. O bolinho era enorme, quase um pão, e era recheado com banana. Comíamos o bolinho com o café açucarado que ficava na garrafa térmica.
Lembrei que quando ia ao circo com meu pai, eu sempre queria maçã do amor, mas nunca conseguia dar a primeira mordida e ele tinha que fazer esse sacrifício pra mim.
Não é mentira que grande parte das minhas melhores lembranças da infância tinham comida na história de alguma forma, mesmo que só de figuração. Talvez por isso eu goste tanto de comer. O que também pode ser por causa do Biotônico que abriu meu apetite para sempre.
Engraçado que umas coisas tão bobinhas como esses pequenos rituais da infância, às vezes nos trazem várias lembranças gostosas. São coisinhas pequenas que aconteciam repetidas vezes e que me faziam entender que era daquele jeito que as coisas funcionavam. E quem diria que esses pequenos detalhes cotidianos um dia se tornariam boas lembranças?
Não podemos subestimar a grande importância das coisas pequenas.
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